segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Medo de dizer 'eu amo'.

Nos confins de sua mente ressoava singelamente aquela frase, frase da qual tinha um vínculo perfeito com sua alma; provavelmente tomavam chá juntas e tinham conversas infinitas. Mas essas duas palavras não estavam em harmonia com sua boca; jamais foram proferidas. Ângelo possuía Alissa para si, assim como o céu possuía as estrelas. Há tantos anos... Talvez metade de uma vida. Amor iniciado na universidade, amor de mocidade tão gostoso. Conhecia o corpo da loura como a palma de sua mão. Cada curva, cada pele mais fina e cada parte mais quente, era tudo para ele como um livro que já leu várias vezes, e passou a ser seu livro predileto e o único que lia. Livro de linhas puras e perigosas, ortografia impecável e um conteúdo divino, escrito pelas delicadas mãos de Afrodite, a Deusa do amor. Então o que lhe impedia que pronunciasse tais palavras? Era tão barbara fada em sua vida. Só de imaginar, hipoteticamente, abrir os olhos e não vê-la, sufocava-lhe o desespero. Imaginá-la nos braços de outro era algo que lhe provocava vertigem e repulsa. O que lhe impedia, então, de dizer a ela tudo o que sentia? Já fazia tempo esse romance tão intenso, mas nunca uma promessa, um ‘pra sempre’ ou o tão almejado ‘eu te amo’. Tão doce mulher, amava-o tanto que nunca exigiu que o mesmo a amasse. Nunca lhe julgou por se deitar com outras mulheres, enquanto ela era só sua, inteira e para sempre sua.
Mas a vida a recolheu, achou que já era a hora de partir, ainda jovem e cheia de vida, aos quarenta e quatro anos.
Ângelo nunca soube bem o que houve, ela simplesmente não acordou mais. Majestosa, apenas adormeceu para o mundo, num sono profundo e eterno, um sorriso congelado para sempre nos lábios de carmesim. Vertera o homem inexpressivo tantas lágrimas inconsoláveis. Sua pequena Alissa foi embora.
Talvez o problema em si não tenha sido o fato de a loura ter o deixado, simplesmente não acordando mais, a sua alma largando o corpo frio sob os lençóis de Ângelo. E sim, pela covardia do homem ruivo, de nunca, nem se quer uma única e curta vez, dizer-lhe num sussurro, ou num bilhete, que a amava. Tal sentimento existia, sim, e como existia. Apenas não fora declarado. Simples? De forma alguma. Ângelo nunca se perdoará. Amaldiçoara seus lábios e coração, por nunca ter o deixado expor todo aquele sentimento bonito que sentia por Alissa, mulher que lhe confiará a virgindade e que havia insisto a lhe ceder o ventre, para que juntos, cultivassem uma pequena semente no solo do mundo chamada Maria Clara. Mas não fora possível, o empecilho rotulado como machismo e orgulho nunca o fez almejar as mesmas coisas que Alissa; não pelo menos enquanto vivia.
Agora, vendo-a no caixão, minutos antes de ser cremada, todas as coisas que lhe pareciam asneiras e loucuras proferidas pela moça que no tempo ele julgava incoerente e impreciso, lhe faziam o mais divino sentido.
Tão linda em seu vestido favorito... Aquele vestido coral que usará na noite em que completavam quinze anos de alguma coisa que eles tinham. Era seu vestido favorito. Continuava linda, mesmo morta. Os olhos fechadinhos, tão calmos, ela deveria estar se divertindo no Paraíso. Seus lábios fininhos, lábios que só foram beijados por um único homem, homem qual chorava sobre o ventre que apagará a luz da esperança de carregar uma vida ali, quando Alissa fechará os olhos para sempre.

“E-eu eu tenho tanta coisa para te falar, Alissa... Você pode me ouvir por alguns minutos?... Estou com medo. Eu não sei viver nesse mundo sem você aqui. Ele me dá medo. Está tudo tão estranho, Alissa.
Queria pedir desculpas por estar molhando seu vestido preferido com minhas lágrimas. Ele ficou sempre tão bem em você. Tudo fica lindo em teu corpo.
Eu posso ser mais direto, Alissa? Desculpe se eu for grosso.
Eu... Eu...
...
Recorda-se daquele vestido lilás que eu te dei? Aquele que você usou quando me levou para ver o pôr-do-sol naquela estrada na viagem ao Rio Grande do Sul. Você parecia uma Deusa divina nele. E quando me beijou vestindo ele, eu tremi muito. Lembrei-me do nosso primeiro beijo, naquele ano Universidade de jornalismo, quando você estava prestes a se formar, enquanto eu era um jovem ingênuo e calouro, nem mesmo conhecia o gosto de vinhos e whiskys, ou o cheiro das flores. 
Eu vou dizer agora, Alissa. Eu...
...
No aniversário de vinte anos de sua irmã, quando você passou do limite nos drinques, você chorava demais. Ficava declarando aos ventos que amava sem ser correspondida, que não agüentava mais guardar tanto amor na garganta, que ela estava inflamada, que teu peito explodia de dor por nunca saber se onde você depositava seu amor, teria alguma volta. Indagava para mim se eu a amava... Chorava em meu paletó novo... Eu nunca entendi que efeito que o álcool surdiu. Você nunca havia reclamado... Nunca me indagou nada sobre sentimentos da minha parte...
Mas, Alissa, eu sempre te...
...
Eu amava seu riso. O que mais me dá medo e não ter ele para me acalmar. Sabe, quando você ria dos quadrinhos, ou de como eu me aborrecia por ter recebido uma crítica zombeteira por uma coluna que escrevi errado... Isso me faz lembrar como era aconchegante lastimar as colunas de má crítica em seus braços. Você sempre soube me acolher direito... Encaixando-me, abordando, envolvendo de uma forma única.
Eu não estou te enrolando, Alissa. O fato é que eu...
...
 Eu adorava seus bolinhos de chocolate, por mais que eu comesse os biscoitos de aveia e sorria só para te agradar – pois eles eram péssimos -, você era uma ótima cozinheira. Não via a hora de chegar o final de semana para provar dos seus dotes culinários, e quando se mudou para meu apartamento, devo ter rezado Pai Nosso quinze vezes em agradecimento por não ter mais que comer o yakisoba horrível da senhora Yorishaya do restaurante oriental.
Certo... Finalmente vou poder te dizer que eu...
...
...E, Alissa, por mais que você achasse que não, eu notei todos os seus cortes de cabelo, todos os vestidos novos, todas as toalhas de banho que bordou, li todas as colunas feministas que você compunha... Todos os sorrisos que você formava quando me via chegar, todos os suspiros de alivio e segurança quando eu te tomava nos braços e até mesmo quando suas sobrancelhas se erguiam, apreensiva, quando você dizia algo exagerado.
Desculpa por ser tarde demais, Alissa... Por favor, eu imploro o seu perdão por ter sido covarde e tão cretino por não ter te dito nunca que eu... que eu a amo!
Eu a amo, Alissa! Eu a amo mais que a mim mesma!
Eu a amo, eu a amo, eu a amo!
Eu amo cada traço do seu rosto, cada dedos de suas mãos, cada fio de seus cabelos.
Eu amo cada suspiro que você dava, cada passo que você andava e cada erro que você cometia!
Eu amava a sua fala e seus comentários sobre seus livros favoritos!
Eu nunca amei nada mais do que amo você, mulher!
Volta, Alissa! Volta! Eu preciso te dizer isso!
Volta!!! Eu preciso dizer o quanto te amo. O quanto eu vivia só porque você acordava do meu lado todos os dias, mas não sabia disso!
Alissa, eu preciso te dizer isso. Volta. Volta, Alissa...
Volta...
Eu a amo, Alissa...
Por que não me ouve? Por que não acredita em mim?
...Você acredita, não é, Alissa? Na verdade, você sempre soube. Era esperta e calculista, você sabia de tudo.
Você via, Alissa? Dentro dos meus olhos o brilho que refletia do seu sorriso? Será que você sentia o calor do meu corpo e se questionava que era porque eu adorava quando você agarrava meu pescoço com suas mãos?
Você está me ouvindo?
Eu a amo.
Eu... Eu simplesmente te amo...
Simplesmente...”
O corpo frágil e delicado da loura queimou. As chamas a engoliram com gosto, e em poucos minutos Alissa não passava de cinzas.
O apaixonado Ângelo fragmentos suas cinzas por mares, ares, e sabe que Iemanjá, lá no mar, recolheu um pouco de sua princesa e que, Eros, no ar arrebatou metade de Alissa, guardando com esmeros.
E por anos o rapaz cheio de amor viveu apenas por viver. Com saudades eternas no peito. Arrependimentos impregnados. Chora, por assim dizer, toda noite; era a sua reza.
E assim só viveu... Esperando e esperando...
Esperando a sua vez de fechar os olhos para sempre. Poderia encontrar Alissa entre algum vínculo entre o Paraíso e o perecimento eterno do inferno, e eu curtos segundos, encontraria os olhos dela e diria que a amava.
Apenas esperava... Sentado na varanda...
Frio, arrependido, cheio de amor guardado.
Apenas esperava...

Um comentário:

  1. Foda. Pior que sempre é assim. Sempre deixamos as melhores coisas da vida pra trás, as melhores e mais importantes frases resguardadas no fundo de algum baú dentro d'alma, esperando a hora certa, não sabendo se ela há de chegar, até que quando acontece algo de ruim, percebe que fez tudo errado por não ter se manifestado ou agido corretamente. Realmente, deveras tenso.
    Seu texto, mt longo e muito complexo, torna-se simples na primeira linha lida e na última versada. Deixa claro que na vida, se você não souber manifestar o mais simples, nobre e doce sentimento, vai viver pra sempre no arrependimento frio da vida. E eu to me sentindo gelado faz tempo. =/
    Nice, Tha, Nice. *-*

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