O apanhador de espíritos marcava a entrada da aldeia. Arrebatava os mais terríveis espíritos. Já poupou da morte, cobiça e miséria adentrar aquele povo, mas não tinha proteção para o pior deles. Não é de certo um espírito, um guerreiro... Ou é absolutamente tudo. Ou apenas um sentimento.
O amor.
O amor que enlaçou Leon e Anauá, sob a margem do rio tão azul, entre uma estrela da noite e um raio da aurora. A pobre índia que, até então, nunca saberá o que é amor, logo se sentia tão diferente. Indagada a si por que o coração batia tão rápido, porque seu corpo estava tão quente, e porque tudo ao seu redor, árvores e o som da cascata de água pura da cocheira sussurrava para que ela se entregasse aos braços daquele homem branco. Era tão peculiar... Nunca verá pele tão alva, tão branca... Algo similar a nuvens, ou ao prateado pálido da Rainha Lua. Acostumada a ver peles escuras, olhos pequenos e cor de café, tudo no rosto do rapaz branco lhe atraia. Assim como os cabelos louros, ondulados, curtos na nuca, trazia o aroma da América. Mas os olhos redondos eram tão azuis quanto aquela água que os cercavam. Anauá até chegou a pensar que na verdade eram escuros, só encontravam-se azuis porque eram tão profundos, que refletiam o azul do rio. Mas não era, teve certeza quando ele se aproximou e tomou-lhe as mãos morenas. A pele da índia era tão macia, cuidada pela mais perfeita natureza. Aquele corpo que emanava pureza, como as terras virgens do Brasil. Mulata de cabelos longos, tão lisos que nem mesmo a brisa resistia, sempre os convidando para uma dança a seu gosto. Olhinhos pequeninos, expressivos e apaixonados. Boca viva, rosada, beleza natural sem pinturas, diferente de sua casa e adorada América. A índia lhe roubara o coração com apenas um olhar e um suspiro, santa libertinagem, naquele verde infinito dessas terras sem nome.
Apenas o silêncio, pois suas nacionalidades o impediam de um diálogo apaixonado. Talvez dissesse ele a índia que nunca virá tanta beleza num só corpo, ou como ela o encherá de vida apenas com o sopro de sua vida. Ela o responderia o quanto o coração dela chorava de felicidade, por ter conhecido esse sentimento gostoso e sem dor que é o rotulado amor. Ambos fariam promessas que jamais poderiam cumprir, mas que não tinha importância, o que realmente importava era aquele momento que talvez com a bondade dos deuses divinos, poderia parar e apenas existir aquele momento naquele mundo cheio de momentos, bastava apenas aquele momento, nenhum mais. De fato não era preciso palavras, a mistura dos olhos café com o azul criava uma conversa intima e celestial entre si. Houve então o primeiro beijo. As terras sob seus pés vibraram, o rio criou ondas e a brisa dava vida às árvores.
Queria ele, dizer nesse momento então, que a levaria com ele. Jamais poderia dar continuidade a sua existência caso não a levasse consigo, não a desposasse e a amasse para o resto de sua vida.
Mas uma flecha atravessou-lhe as costas, o esguio louro se curvou. Queimava tal flecha amaldiçoada pela boca do cacique, pai de Anauá, que tirara o homem branco de sua filha apaixonada e declarou: “Traiu sua tribo, sua família. Da carne desse intruso nos alimentaremos essa noite, e caso se oponha, a sua carne juntara-se ao banquete, e de seus ossos faremos armas”.
Anauá o seu corpo juntou ao de Leon, abraçando-o pela ultima vez antes de as duas cabeças serem arrancadas por lanças aguçadas. E aquela noite o banquete foi os dois, seus corações servidos por ultimo.
O rio azul do romance entre a índia e o americano foi selado com suas almas. A cascata emanava o riso da Anauá, e o vento, o suspiro forte de Leon.
Suas almas falavam a mesma língua, e por toda eternidade, poderão fazer promessas e assim, cumpri-las. Tinham todo tempo do mundo.
Que texto lindo. Você escreve com tanta sutilidade, que as palavras ficam expressas de uma forma cautelosa e tranquila. São tantos detalhes num único texto, impossível não se admirar. Parabéns!
ResponderExcluirFaço das palavras da Alessandra as minhas. Realmente, daria pra moldar um conto ou até mesmo um romance com o que você descreveu majestosamente. Você emana um poço de criatividade, seja pra descrição, seja pra composição de uma cena ( e cenário ).
ResponderExcluirFantástico texto, agora fico na dúvida de qual blog você mantém ativo pra continuar lendo. rs
"Quem dera todos aqueles que a sensibilidade veem, a sensibilidade soubessem ter também."