quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Gim para um coração quebrado.

- Garçom, uma dose de gim.
E assim, no final amargo de cada copo, iniciava outro com essa frase. Só não me lembro quantas vezes foi dita.
- Laura, não acha que está exagerando?
Por que o garçom sabia meu nome? Talvez eu tenha dito no intervalo entre uma lamentação e outra. É o que mais acontece nesses barzinhos no centro da cidade, onde as mulheres assumiram o posto de aplacar a dor com álcool. Os homens ficam por ai, nos dando motivos para voltar ao mesmo lugar. Cheios de si, intocáveis e Alfas.  
- Peter, por que o ser humano não consegue viver sozinho? Sabe... Ter um cachorro ou um gato, um emprego que gosta e levar a vida assim.
Eu sabia o nome do garçom. Devo ter perguntado quando disse o meu. E não sei por que, no meu tom de voz havia intimidade. Até quando o tal do Peter sorria com a minha indagação, olhando para a garrafa de Stock Blue.
- Provavelmente não conseguiríamos. Mesmo se fossemos feitos para viver sozinho, certamente levantaria um homem em meio a multidão e afrontaria a natureza perguntando porque não poderia se ajuntar com outra pessoa, ter uma família e envelhecer juntos. Isso tem muito a ver com os vazios que cada um nasce. Mas é quase certo que entre os contados vazios que nascemos, um é exclusivo para oura pessoa preenche-lo. Não são tantos os vazios pela capacidade do ser humanos de ter fetiches e gostos. Me entende?
- Você é um poeta, Peter.
Ele falava muito. Também devia ser sozinho. Demorava um pouco para processar a filosofia do garçom, afinal, meu raciocínio não era o mesmo de seis copos atrás.
- Laura, falo sério, deveria parar...
- Olha bem pra minha cara e coração. Pareço estar brincando?
Eu sou forte. Apenas devo ter esquecido a força dentro do porta-luvas do carro, assim como esqueci o mesmo na garagem.
- Deixei o disco do Beatles favorito dele tocando na vitrola, o vinho que ele mais gosta sobre a mesa e a porta entreaberta...
- Há quanto tempo ele não volta?
- Quatro... Cinco...
- Horas?
- Meses.
Peter não me devia deixar beber tanto. Talvez porque cada dose eu dava um motivo, sabe... Uma justificativa para estar pondo para dentro do meu corpo aquela forma covarde de paz, e já que as razões nunca acabavam – eram tantas... - ele deixou que meu barquinho fosse se afastando da margem. 
- Peter...
- Sim, Laura.
- Eu só queria amá-lo... Eu não pedi nada em troca... Nem mesmo o amor dele...
- Você disse isso pra ele?
- É preciso dizer a uma larva a hora de sair do casulo e virar borboleta?
- Não.
- Então. Tem coisas que não precisam ser ditas.
O balcão era de mármore, frio contra meu rosto. Minha cabeça girava e isso me enjoava. Eu não via mais nada; fechei os olhos e neguei abri-los.
Acordei junto com o sol. O bar estava vazio, o garçom limpava as mesas. Havia um relógio sobre a prateleira de bebidas. 06h20min. Joguei duas notas que me apeteciam sobre o balcão e sai sem dizer nada.
Come Share My Life da Legião Urbana tocava ao fundo da minha cabeça que pesava mais que meu corpo. Me equilibrava sobre saltos que me arrependi de ter comprado. Na minha boca tinha um gosto amargo, então me lembrei de ter vomitado. Soltei pra fora junto com lágrimas que refletiam a dor da minha alma tudo o que doía tanto. Mas dor se regenera, sempre se reconstrói, e volta com mais sete demônios. Joguei fora todo o álcool que consumi; como se tudo que fosse brindado no nome daquele que não me amou, mas deixou marcada em mim o cheiro da tua pele, o meu organismo não aceitasse, então me fazia se livrar daquilo. Passava na Rua do Manifesto, ali no Ipiranga, não tinha ninguém e meus passos faziam muito barulho; parecia acordar o bairro inteiro. Começou a garoar então, notei minha boca seca. Avançava suavemente o rosto ao vento na sorte de alguma gota acertar meus lábios rachados.
Meu coração ainda doía, e misturada da dor de cabeça a aguda razão do meu estado emocional e físico. Me senti nada. Me senti lixo. Um monte de cinzas que o vento levou para onde ninguém procuraria.
Peguei um Taxi, mandei o motorista ficar rodando até eu decidir onde queria ir. Propositalmente num ato masoquista fiz ele passar na frente daquela casa branca de dois andares, número 1124 próximo ao centro da grande São Paulo.
Meus olhos atravessaram as paredes e vi cabelos ruivos sobre seu peito. Respirações calmas, sorrisos congelados em rostos adormecidos.
- Motorista, conhece algum bar aqui perto que esteja aberto?
Seu rosto estava confuso, se indagando porque uma louca que acabará de sair de um bar queria ir de encontro com outro novamente. Era melhor que não soubesse o motivo, eu só precisava de outra amnésia. Uma amnésia suficiente para apagar a imagem de pernas entrelaçadas e mãos tão unidas. Tudo o que não foi meu, mas foi tirado de mim.
-  ...A moça tem certeza...?
- Olha para minha cara e coração. Pareço estar brincando?

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