sexta-feira, 19 de agosto de 2011

As aventuras de Lady Alice - Os Herdeiros.

Ouvi arranhões na janela de metal. Acordei num susto; dormia entre as pernas de Anny naquele edredom com cheiro de eucalipto do qual eu tanto gostava. Tentei ignorar enfiando a cabeça sob as patas, mas o roído não parava e aquilo estava começando a me aborrecer. Subi na cabeceira da cama sem acordá-la e, com os olhos estreitos, prestava o máximo de atenção.
- Quem está ai? – perguntei cautelosa.
- Sou eu, Alice!
Era um timbre familiar, mas eu sabia que não podia confiar nos meus sentidos já que estava semi-acordada.
- “Eu” tem nome, meu bem!
- Nino! É o Nino! Abra logo, Alice! É difícil se equilibrar aqui!
- E quem me garante que é o Nino? Diz qual é a senha!
- Senha?! Que história é essa de senha, Alice?
- Sem senha, não abro a janela.
- Hã... Deixa-me ver... Pelúcias?
Abri a janela na hora. Era mesmo Nino, com cara de encafifado.
- Ué? Era mesmo essa a senha?
- Não existia senha alguma. Eu sabia que só você julgaria uma coisa tão idiota como uma – ri baixinho - Mas me diz o que está acontecendo? Sabia que eu estava no meio de um sonho pra lá de legal?
- É que... É que tem um alguém querendo te ver e... Você tem de vir comigo agora mesmo.
Joguei-lhe um olhar estreito. Nino estava agindo de maneira muito estranha.
- Ih... Tem espinho nesse atum... Que está havendo, Nino? Quem está querendo me ver?
Nino parecia tenso. Acho que vi uma gota de suor escorrendo no teu rosto peludo. Eu só o via assim quando ele se sujava logo após chegar do petshop e sabia que levaria uma baita bronca de Daiane.
- Eu não posso dizer, Alice! Eu não posso dizer que o vira-lata do Pirata quer falar com você, porque ele não quer que você saiba e, caso souber, ele vai me enforcar com o esqueleto de um peixe!
Me espantei ao ouvir o teu nome. Um calafrio percorreu minha espinha, me custava lembrar toda maldade que esse tirano provocou.
- Pirata?! Ele ainda está vivo?
- Santo dos gatos! Soltei a informação!
- O que aquele zé ruelas quer comigo, Nino?
- Isso eu não sei, de verdade. Mas você precisa vir comigo.
Olhei para a lua, estava linda aquela noite. Logo para dentro do quarto, naquela pequena abertura da janela e via o rosto adormecido de Anny.
Talvez fosse a ultima vez que a visse.
Mas eu, como uma gata temida e destemida, não corria fora assim não.
- Me leve até ele.

Pirata estava me esperando na saída da viela. Eu já sabia disso mesmo antes de chegar, o fato é que o cheiro horrível dele acusava sua presença a quilômetros de distancia.
Aquele sujeito não prestava. Aterrorizava a vida de todos os gatos do Campanário e fora dele. Nino é exemplo de toda a bullying que Pirata foi capaz de praticar contra ele e o quão fez esse pobre gato ficar complexado devido sua patinha torta.
Assim que cheguei seu olho brilhou (pois um era de vidro e eternamente brilhava) de malícia e fez uma breve reverencia.
- Milady! Quanto tempo!
Ele continuava a mesma desgraça de sempre: Tinha os pelos encardidos, mas toda aquela sujeira quebrava em teu olho azul frio e profundo. Patas machucadas, bigodes cortados e cicatriz na costela. Era assustador.
Todavia, não me punha medo.
- Oi – respondi sua saudação, seca.
- Bom trabalho, Nino. Agora pode dar um fora.
- Eu fico!
Nino protestou, mesmo aparentemente estar morrendo de medo daquele vagabundo.
- Fica sossegado, Nino. Pode ir – Amaciei o camarada.
- Mas Alice...
- Faz o que ela disse, seu mauricinho – disse Pirata, de saco cheio.
E Nino se foi. Confesso que sem a presença dele ficava um pouco desconfortável, mesmo ele somente atrapalhando.
- Só nós dois, milady... Sentiu saudades?
Deu um passo a frente, mas logo recuei.
- Pensei que você tivesse morto.
- Esqueceu que nós temos sete vidas?
- Pra que voltou, afinal? Te expulsaram da onde você estava?
- Voltei por você, Lady Alice. Não podia ir mais longe sem antes... te possuir.
- Cara, por que não vai ver se eu estou fazendo intercâmbio lá na Babilônia? Sai do meu pé!
Dei as costas para ele e pretendia voltar para casa. Aquele retardado só tomava meu tempo.
Mas um golpe pelas costas me fez cair e quando me dei por mim, ele tinha imobilizado meu corpo. 

Regra #1: Nunca dê as costas para um inimigo.

Mas eu sempre me esqueço disso!

- Continua atrevida e petulante... Do jeitinho que eu gosto...
- Me solta, sua flanela de mecânico!
- É melhor ficar quietinha, Alice. Não é hora de me provocar.
- Por que acha que eu me envolveria com um andarilho que mora dentro de pneu feito você? Cai fora, criolo!
Senti sua pata afundando em meu pescoço. Já estava ficando difícil respirar. Nenhuma alma samaritana passava naquele instante perto da cena do atentado, nem mesmo Nino, o gato atrapalhão, que costuma chegar sempre quando a coisa ficava preta pro meu lado.
- Já disse para me soltar!
E desferi uma joelhada entre suas pernas. O babaca caiu na hora a se contorcer.

Regra #2: Quando seu inimigo é um macho, sempre apele para as partes baixas.

Era a hora da fuga. Levantei e corri como se não houvesse amanhã.
- Eu vou te pegar, Alice! Não importa onde estiver!
Aquele miado que ecoou entre a ruazinha que dava até em casa só me fez correr mais rápido, e em segundos já estava arranhando a janela. Aquela sensação de que ele chegaria a qualquer instante e me atacaria pelas costas quase me fez cair dura no chão.
- De novo, Alice?
Reclamou Anny, preguiçosa, sem mesmo se dar ao trabalho de abrir os olhos.
Mal ela entreabriu a janela e eu já estava dentro do quarto. Nunca fiquei tão feliz de ouvir aquela voz rouca de quem acabará de acordar derramando sermão.
Aquela noite eu não sairia de perto dela por nada.




(Continua)




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